segunda-feira, 16 de abril de 2012

A tirania, o Estado e os Crucifixos


A Tirania, o Estado e os Crucifixos

por Vanessa Gil *
Tenho lido muitos argumentos contra a retirada dos crucifixos dos espaços públicos. Não concordo com nenhum, mas alguns são de “chorar no cantinho”, como se diz no popular. Entre os mais lamentáveis está o de que os movimentos sociais que lutam pelo Estado Laico estão instituindo uma ditadura da minoria.


Alexis de Tocqueville escreveu, em 1835, um livro intitulado Da Democracia na América. É um clássico do Estado Burguês. Contudo, há nele um conceito básico, importantíssimo, que é esquecido pela direita sempre que lhe convém: Tirania da Maioria. Essa tirania é a capacidade que um grupo maior tem de impor sua vontade sobre um grupo minoritário baseado na ideia de que decisões tomadas a partir da opinião de um número maior de pessoas são sempre democráticas.


Assim, um das grandes preocupações de sistemas democráticos é garantir que as minorias sejam ouvidas, uma vez que através da lógica “cada cabeça, um voto”, as maiorias podem sufocar os minoritários. Um dos meios para assegurar que isso não ocorra é a construção de leis, de uma constituição e de um sistema político e jurídico que permita que todas e todos possam, de fato, viver com isonomia.



Parece simples, mas não é. O Brasil é um país formado pelos povos indígenas (originários), africanos, europeus. Atualmente, poderíamos afirmar que em terras brasileiras “não há o que não haja”. São centenas de religiões e diversos idiomas para 180 milhões de pessoas. O Brasil possui, segundo a FUNAI, 817 mil índios, distribuídos entre 688 terras indígenas e algumas áreas urbanas, além de 82 referências de grupos indígenas não contatados. Imaginemos que cada uma dessas tribos deve possuir uma forma específica de divindade. Daí você pode concluir a quantidade de crenças que existem nesse país continental. Acrescente na sua lista os islâmicos, os judeus, os muçulmanos, os umbandistas - aliás, acrescente as religiões de matriz africana, pois são diversos rituais diferentes. Coloque, também, todas as outras religiões e crenças que você conhece ou já ouviu falar. Portanto, apesar da maioria da população dizer ao censo que é católica, o Brasil é formado pelos(as) católicos(as) e uma infinidade de minorias. 



Portanto, quando ouço os argumentos contra a retirada de crucifixos dos prédios públicos como sendo uma tirania de uma minoria, meu estômago embrulha e meu sangue ferve. Mais furiosa eu fico quando isso parte de gente que deveria, ao menos, conhecer conceitos básicos sobre democracia, tirania e Estado. O Estado Laico é uma das formas de garantir que nenhuma maioria religiosa sufoque o direito de uma minoria de praticar o seu ritual religioso. Ou de não praticar ritual algum e de não crer em nada.



Isso é democracia: o direito de legislar sobre a própria consciência, o próprio corpo, a própria vida. Aliás, o que se pede não é nada além do cumprimento das leis brasileiras, já que no Art. 19 da Constituição Federal está expressamente vedado ao Estado “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público”.


Portanto, para que os que ainda baseiam suas opiniões no argumento de que a maioria da população é católica, por isso há de ter crucifixo nos locais públicos, não pode legalizar o aborto porque a maioria da população é contra, não pode liberar casamento homoafetivo porque a maioria da população é hétero. A maioria não passa, portanto, de ditadora.

Vanessa Gil
Socióloga - Especialista em Pensamento Marxista- Militante da Marcha Mundial das Mulheres

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