quinta-feira, 12 de julho de 2012

SACODE MEU POVO: O grupo de dança Jabuti Bumbá


“SACODE A SAIA QUE CHEGOU O JABUTI BUMBA”

Na noite de domingo, dia 18 de março de 2012, depois de passar meu domingo corrigindo a parte gramatical de dois textos de TCCs, fui descansar olhando o Facebook e o que vejo? Fotos e anúncios de que o Jabuti Bumba acabara de se apresentar no teatro Hélio Melo, este grupo maravilhoso de dança, que a colega militante, a guerreira Eurilinda Figueiredo tinha contado para nós que, desde 04 de março, estão se apresentando nos finais de semana – abrindo mão da vida pessoal – para levar ânimo, alegria e saúde para crianças, jovens, homens e mulheres desabrigado(as) pela cheia do rio Acre. Como na foto abaixo, com as crianças do SESC.


Falando da história deste grupo musical, o Jabuti Bumbá nasceu em 2005, pelas mãos organizadoras dos irmãos e artistas Silene, César, e Cícero Farias, um folguedo popular que mescla influências do Maracatu do Maranhão, do Boi-Bumbá dos Parintins de Manaus, das Pastorinhas, da Catira, do Vira e Cacuriá. Fazendo pesquisa na NET, quem gosta de pesquisas pode encontrar vários blogs que já noticiaram sobre o Jabuti, como a poeta Walquíria Raizer, em 2007 e Altino Machado, em 2006.
Os dançarinos do grupo têm um figurino com adereços, enfeites e vestidos de chitas e fitas coloridas, colares de sementes, cuias e coroas...    As músicas são bem alegres, ritmadas, com marcação cadenciada, cujas letras fazem referência àquela planta que dá origem a ayahuasca, bebida do Santo Daime. Dá gosto ver e ouvir as apresentações primorosas...

Walquíria Raizer, em seu blog, nos conta que as coreografias e as músicas do Jabuti-Bumbá se baseiam em passos do bailado do Daime, são criadas e recriadas pelos próprios brincantes do Jabuti, a cada encontro. O grupo contava com quatro puxadores e trinta brincantes permanentes em 2007.


Porque o Jabuti Bumbá apareceu? Porque foi criado? Quais são seus propósitos?

 Antes de mais nada, é preciso saber que o Jabuti é um símbolo de resistência - por ter um casco grosso e viver em média 80 anos. Por ser então um ser de vida tão longa entre os animais, o jabuti tem como inimigo declarado os destruidores da floresta. Por sua lentidão em se locomover, o pobre animal, juntamente com o bicho preguiça, tem sido uma das maiores vítimas das queimadas na floresta.
No imaginário popular, nosso jabuti guerreiro povoa as histórias como personagem vitorioso nos embates com a onça ou nas corridas com o coelho, famoso pela velocidade. Sendo assim, ele se torna no Jabuti Bumbá uma forma de resistência à destruição ambiental que sofremos aceleradamente nas duas últimas décadas. O Jabuti Bumba é uma voz de protesto, de luta pela diversidade e proteção da floresta, a favor da preservação de plantas, flores, árvores e animais silvestres, contra a devastação das matas para a criação dos grandes pastos de boi. Em vez de boi, somos o Jabuti bumbá, é o Jabuti e não o boi o nosso grande símbolo, do Acre. Boi lembra pastos, Jabutis lembram florestas, selva, mata...

O grupo Jabuti-Bumbá utiliza vários instrumentos musicais bem sonoros, tais como a sanfona, a zabumba, o tambor e os maracás – instrumentos feitos de lata, parecidos com um choqualho, deixando o som marcado e ritmado como na festa do Boi Bumbá, com estilo folclórico e música regional.
 O Jabuti-Bumba já se apresentou em diversos encontros de cultura popular por este Brasil imenso, tendo sido convidado pelo MINC, para desfilar e dançar na posse da presidente Dilma Roussef, em janeiro de 2011. A família Farias, criadora e incentivadora do Jabuti Bumba, tem referências rurais em suas raízes nordestinas. Na família, é grande a presença de artistas natos, dentre eles poetas, artistas plásticos, teatrólogos, artesãos, ourives, professores e sociólogos. Destarte, a trajetória dos Farias é marcada por um envolvimento peculiar e frequente com os movimentos culturais e agitações folclóricas/teatrais, na cidade de Rio Branco. Por ser mulher, destaco Silene Farias, autora de lindo poemas regionais...

Quem quiser conhecer mais, pode olhar vídeos curtos no You Tube, pode visitar a página do grupo no Facebook e melhor que tudo, ir prestigiar as apresentações do grupo, por diversos lugares de nossa linda e pitoresca Rio Branco. Visitem os links abaixo:


O novo livro de Vássia Vanessa


Resenha do livro de crônicas Indagações de ameixas.
ps: Publicado anteriormente no BLog da SEPMulheres: Observatório

Confesso que quando comecei a ler o novo livro da Vássia Vanessa o que mais me intrigou foi o título: Indagações de Ameixas. Do que estaria ela falando? Seriam indagações com sabor de ameixas? Seriam as frutas fazendo perguntas? As indagações agora teriam sabor e não me avisaram? Tantas loucuras a nossa cabeça pensa. Tratei foi logo de ir lendo as tais crônicas na mesma noite em que comprei o livro, num fim de outubro de 2011, no lançamento da obra no Casarão, agora tão aconchegante e reformado, onde revi as amigas queridas, como a nossa outra escritora acreana brilhante Florentina Esteves.

Peraí... Mas hoje estou aqui para falar da Vássia Vanessa. Já gostava de ler o que ela escrevia e até já escrevi um artigo para uma revista de literatura sobre as pitorescas crônicas que ela  tecia na saudosa revista Outra Palavras, do tempo do maravilhoso governo do Jorge Viana. Vássia Silveira escrevia sempre nesta revista saborosas crônicas falando de coisas que só as mulheres sabem falar, coisas de família, de medos, das belezas encontradas de repente na cidade e, como era lógico para além da crítica literária que eu sou há muito tempo, Vássia cativou desde aí a leitora curiosa e incansável que há em mim.

Neste novo livro, Vássia Vanessa confirma que acertou em cheio ao escolher ser escritora, as crônicas estão ainda melhores, com toque refinado de maturidade que só adquirimos com a prática e a experiência. São textos em que ela fala de todas nós mulheres, exatamente tudo aquilo que sentimos no dia a dia, nossos anseios, nossas complicações nos relacionamentos, nossas batalhas eternas com as pessoas da família e por aí vai. A crônica “Matar ou morrer”, na qual ela descreve o medo de barata, o pavor, nojo mesmo, que quase todas nós mulheres temos, inda que muitas não confessem, é demais. Ela até filosofa falando de baratas: “... os homens são os piores inimigos das baratas e das mulheres. Das primeiras porque mesmo que sintam medo ou nojo, são obrigados a esconder, em nome da boa honra e da masculinidade; das segundas, porque se mostram excelentes matadores.” (p.39)

Ah... Pensaram que me esqueci das ameixas...? Não, como poderia? Há uma belíssima e muito sensível crônica no livro denominada “Indagações de ameixas”, realmente tão boa que deu nome ao volume todo. Vássia fala da irmã dela, dos olhos cor de ameixa e cheios de indagações que a menina carrega por toda a vida. Sim... também eu tenho uma única irmã, a quem muito prezo e amo, a doutora Vânia Prado, nós duas sabemos as dores de ser mulher e temos muitas afinidades.

Desta forma, esta crônica me tocou fundo. Porque só as mulheres sabem falar das mulheres como ninguém, e quando falam de mãe, irmã ou filhas, não é preciso que eu diga mais nada...


Vássia Silveira: é jornalista e escritora. Publicou pela Editora Letras Brasileiras os livros infantis: Quem tem medo do Mapinguari? (2008) e Braboletas e ciuminsetos (2007) e escreve crônicas semanais no blog Toda Quinta.
http://todaquinta.blogspot.com/

Lei Maria da Penha não diminuiu a violência


Lei Maria da Penha não diminuiu a violência, constatam levantamentos
Joseana Paganine


Quase seis anos depois de promulgada, a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) não foi capaz de diminuir a violência contra a mulher. Essa é a constatação do Mapa da Violência - homicídios de mulheres no Brasil e também dos parlamentares e colaboradores da CPI mista.

No primeiro ano de vigência da lei, em 2007, as taxas apresentaram um leve decréscimo em relação ao ano anterior, passando de 4,2 para 3,9 mortes em 100 mil mulheres. Mas já em 2008 o índice retorna ao patamar anterior, no qual irá permanecer.

Para a relatora da CPI mista, senadora Ana Rita (PT-ES), a lei vem enfrentando resistências, sobretudo por parte dos magistrados, que dão interpretação subjetiva ao texto legal. Entre os argumentos empregados por eles para não fazer valer a legislação, está, por exemplo, o de que a lei pode "esvaziar os lares brasileiros".

A senadora citou o caso de Renata Rocha Araújo, assassinada em maio, aos 28 anos, pelo ex-companheiro, em Belo Horizonte. Segundo Ana Rita, Renata teve dois pedidos de medidas protetivas negados pelo juiz da 13ª Comarca de Belo Horizonte, porque a Lei Maria da Penha não teria sido criada, segundo ele, para acabar com o casamento ou com a família.

- A lei foi criada, sim, para proteger as mulheres. Que visão de família têm os juízes que ignoram a violência praticada dentro do lar? - questionou a senadora.

O mesmo acontece em delegacias, segundo a professora Wânia Pasinato, da Universidade de São Paulo (USP). Ela afirma que os profissionais, mesmo em delegacias especializadas, não estão capacitados para enfrentar a violência de gênero e fazem atendimentos orientados por concepções pessoais sobre o assunto.

Em diligência ao Rio Grande do Sul, a CPI constatou outro tipo de violação praticada pelo Judiciário à Lei Maria da Penha: a realização de audiências de conciliação e suspensão condicional do processo em casos de violência familiar e doméstica contra mulheres. Na avaliação da senadora Ana Rita, essas medidas reforçam o sentimento de impunidade que grande parte das mulheres em situação de violência tem em relação à Justiça brasileira

- A lei veda o uso desses instrumentos, pois, ao promover a conciliação, as mulheres retornam à convivência com o agressor e muitas acabam assassinadas. É comum mulheres não denunciarem por medo de não ter a garantia da punição - completou Ana Rita.

Para ajudar a resolver esse problema, a senadora disse que vai propor, em seu relatório, que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) capacite os juízes para aplicar a Lei Maria da Penha.

Ação penal

A senadora considerou, no entanto, um avanço a decisão, tomada em fevereiro pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de que o Ministério Público pode dar início à ação penal, fundamentada na Lei Maria da Penha, sem necessidade de representação da vítima.

Em visita da comissão ao STF, ela lembrou também que um dos principais problemas para o combate à violência contra a mulher é a carência de varas especializadas. Já a presidente da CPI mista, Jô Moraes, ressaltou a necessidade de reforçar o conteúdo da Lei Maria da Penha porque alguns juízes ainda insistem na mediação como enfrentamento das agressões.

Nova LEI da PresidentA

Cuidado, agora vc não pode mais esquecer de usar o termo PresidentA, assim com A no fim, contrariando as regras gramaticais de uso da terminação "ente" = ser.
Recebi hoje no meu email e repasso a jocosa mensagem abaixo, que veio de um jornalista:

A partir de 03 de abril de 2012 acabou a moleza. Quem relutava, se negava ou criticava o pedido meigo de Dilma ser tratada como presidentA, prepare-se para não ser pego fora da lei.
No último dia 3 de Abril de 2012, a presidentA sancionou a Lei 12.605/12. Pra quem ainda duvida, está lá no site da PresidentA. A lei determina a obrigação da flexão de gênero em profissões. Ou seja, agora é presidentA, gerentA, pilotA, etc…
Vou aproveitar para exigir que eu seja tratado a partir de agora como jornalistO, dentistO, motoristO, etc..
Só no Brasil...
Pergunto se alguém sabe se senador, deputado e vereador continuam como vigaristA ou muda pra vigaristO?

 P.S.:  HOJE EU VOU AO OCULISTO, DEPOIS DE PASSAR NO DENTISTO, E VOU COM UM MOTORISTO QUE JÁ FOI UM MAQUINISTO,
Desculpem, mas depois dessa, não resisti ser um humoristO

Para quem ainda duvida, segue abaixo a íntegra da NOVA LEI:


Presidência da República

Casa Civil
Subchefia para Assuntos Jurídicos

Determina o emprego obrigatório da flexão de gênero para nomear profissão ou grau em diplomas.


A PRESIDENTA DA REPÚBLICA 
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o As instituições de ensino públicas e privadas expedirão diplomas e certificados com a flexão de gênero correspondente ao sexo da pessoa diplomada, ao designar a profissão e o grau obtido.
Art. 2o As pessoas já diplomadas poderão requerer das instituições referidas no art. 1o a reemissão gratuita dos diplomas, com a devida correção, segundo regulamento do respectivo sistema de ensino.
Art. 3o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,  3  de  abril  de 2012; 191o da Independência e 124o da República.

DILMA ROUSSEFF
Aloizio Mercadante
Eleonora Menicucci de Oliveira

Este texto não substitui o publicado no DOU de 4.4.2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Por que a imagem da vagina provoca horror?



Diante da origem do mundo, ela deu um grito

ELIANE BRUM


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Eliane Brum, jornalista, escritora e documentarista (Foto: ÉPOCA)
Muitos anos atrás, não sei precisar quantos, deparei-me com o quadro A origem do mundo (L’Origine du Monde, 1866) e me encantei. Nele, o francês Gustave Courbet pinta uma vagina. Cheguei a ela desavisada e fui tomada por uma sensação profunda de beleza. Forte o suficiente para sonhar, deste então, com a compra de uma reprodução, um plano sempre adiado. Quando passei a trabalhar em casa, há dois anos, desejei ainda mais ter o quadro na parede do meu escritório, onde reúno tudo aquilo que me apaixona em um pequeno universo perfeito e só meu. No último aniversário, em maio, meu marido me deu a reprodução de presente. Só na semana passada, porém, o quadro chegou da vidraçaria onde fez escala para receber moldura. Então, algo inusitado aconteceu. 
Ouvi um grito:
- É o fim do mundo!
Eu estava no quarto e saí correndo, alarmada, para ver o que tinha acontecido. Encontrei Emilia, a mulher que limpa nossa casa uma vez por semana, com o rosto tomado por um vermelho sanguíneo, diante de A origem do mundo, que, ainda sem lugar na parede, jazia encostado em um armário.  
- É o fim do mundo! – gritava ela, descontrolada. – Nunca pensei ver algo assim na minha vida! Eliane, que coisa horrível!
Meio atordoada, eu repetia: “Não é o fim do mundo, é o começo!”. E depois, sem saber mais o que fazer para acalmá-la, me saí com essa estupidez: “É arte!”. Como se, por ser “arte”, ela tivesse de ter uma reação mais controlada, quando é exatamente o oposto que se espera. Beirando o desespero diante do desespero dela que eu não conseguia aplacar, apelei: “Mas, Emilia, metade da humanidade tem vagina – e a humanidade inteira saiu de uma vagina! Por que você acha feio?”.
O fato é que, para Emilia, era o fim do mundo – e não o começo. Tentei fazer piada, mas percebi que a perturbação não viraria graça. A questão para ela era séria – e ela só não pedia demissão porque trabalha há 12 anos comigo e temos um vínculo forte. Naquele dia, Emilia despediu-se incomodada e passei a temer que talvez ela não suporte olhar para o quadro a cada quinta-feira.
Por que Emilia, uma mulher adulta, que me conta histórias escabrosas da vida real, se horrorizou com a visão de uma vagina? Por que eu me encantei com a visão de uma vagina? Quando vivo uma experiência de transcendência, em geral eu não quero saber sobre a história da pintura que a produziu, porque temo perder aquilo que é só meu, a sensação única, pessoal e íntima que tive com aquela obra. É uma escolha possivelmente besta, mas faz sentido para mim. Por isso, eu quase nada sabia sobre “A origem do mundo”, para além do fato de que eu a adorava. Só no ano passado, ao ler um pequeno livro sobre um dos grandes nomes da história da psicanálise, o francês Jacques Lacan, soube que ele foi o último dono da pintura. Nos anos 90, sua família doou o quadro para o Museu D’Orsay, em Paris, onde está desde então. 
Graças ao estranhamento de Emilia, transtornada que foi pela experiência artística quando se preparava para passar o pano no chão, fui levada a um percurso inesperado. Descobri que A origem do mundo causa escândalo desde que foi pintada. E agora quem está horrorizada sou eu, mas pela ausência de horror em mim diante do quadro. Por quê? Por que eu não sinto horror? O que há de errado comigo que não sinto horror?, cheguei a me perguntar. De repente, nossas posições, a minha e a de Emilia diante do quadro, inverteram-se. Eu, que não compreendia o horror dela, passei a suspeitar do meu não horror.
Eis uma breve trajetória da obra. A origem do mundo foi encomendada a Courbet, um pintor do realismo, por um diplomata turco chamado Khalil-Bey. Colecionador de imagens eróticas, ele pediu um nu feminino retratado de forma crua. E Courbet lhe entregou um par de coxas abertas, de onde despontava uma vagina após o ato sexual. A obra teria sido instalada no luxuoso banheiro do milionário, atrás de uma cortina que só se abria para revelar o proibido para uns poucos escolhidos. Khalil-Bey teria perdido a pintura em uma dívida de jogo, momento em que a tela passa a viver uma série de peripécias. 
O quadro teve vários donos e, ao que parece, todos o escondiam atrás de uma cortina ou de uma outra pintura. Na II Guerra Mundial, algumas versões afirmam que chegou a ser confiscado pelos nazistas do aristocrata húngaro ao qual pertencia. Em seguida, passou uma temporada nas mãos do Exército Vermelho. Até que, após uma acidentada jornada, em 1954 foi comprado por Lacan e instalado na sua famosa casa de campo.
Até mesmo Lacan, um personagem pródigo em excentricidades e sempre disposto a chocar as suscetibilidades alheias, ocultava o quadro com uma outra pintura, encomendada ao pintor surrealista André Masson com esse objetivo. Como uma porta de correr, esse “véu” retratava uma vagina tão abstrata que só um olhar atento a adivinhava. Apenas visitantes especiais ganhavam o direito de desvelar e acessar a vagina “real”. Segundo Elisabeth Roudinesco, a biógrafa mais notória de Lacan, o psicanalista gostava de surpreender os amigos deslocando o painel. Anunciava então “A origem do mundo”, com a seguinte declaração: “O falo está dentro do quadro”. Boa parte dos intelectuais apresentados à tela ficava, como Emilia, bastante incomodada.
Por quê? 
Que há algo perturbador no órgão sexual feminino não há dúvida. Até nomeá-lo é um problema. Vagina, como tenho usado aqui, parece excessivamente médico-científico. É como pegar a língua com luvas cirúrgicas. Boceta ou xoxota ou afins soa vulgar e, conforme o interlocutor, pejorativo. É a língua lambuzada pelo desejo sexual – e, por consequência, também pela repressão. Não há distanciamento, muito menos neutralidade possível nessa nomeação. É uma zona cinzenta, entregue a turbulências, e a palavra torna-se ainda mais insuficiente para nomear o que Courbet chamou de “A origem do mundo”. Para Lacan, “o sexo da mulher é impossível de representar, dizer e nomear” – uma das razões pelas quais teria comprado o quadro.


Em busca de respostas para o horror de Emilia, que, por oposição, revela o meu não horror, naveguei por algumas interpretações do quadro – e da perturbação gerada por ele. Jorge Coli, historiador, crítico de arte e autor de um livro sobre Courbet para a editora francesa Hazon, assim comentou sobre A origem do Mundo, em um artigo publicado em 2007: “Parece-me a radicalização do processo de transformar a mulher em um objeto orgânico, pois ele esconde a cabeça (pensante) e os braços e pernas (elementos da ação). Vemos a ponta do seio e, sobretudo, o sexo”. Coli assinala que uma das questões do século XIX era a ameaça do desejo contida no feminino. Inerte, entregue à contemplação, a mulher não ameaçaria.


Em algumas manifestações escandalizadas, o fato de Courbet ter “reduzido” a mulher a um pedaço da anatomia foi considerado uma afronta. Uma mulher sem cabeça, sem braços, sem história. A pintura chegou a ser definida pelo escritor e fotógrafo francês Maxime Du Camp como um “lixo digno de ilustrar as obras do Marquês de Sade”. Análises mais psicanalíticas explicam o horror de quem olha pela castração. Diante do espectador, entre as coxas abertas da mulher se revelaria a ferida aberta, a falta, a impossibilidade de ser completo. As mulheres se horrorizariam pela constatação da castração, os homens pelo temor a ela. Se alguns olhares produzem pistas, outros reforçam apenas o incômodo que a obra produzia.


O efeito do quadro já foi tentado em fotografias de mulheres, em geral prostitutas, colocadas na mesma posição, mas o resultado revelou-se diverso. Ao transpor para a fotografia, não é mais a imagem de Courbet, mas outra. Até que, em 1989, uma artista francesa, Orlan, fez algo marcante – e com grande potencial para gerar polêmica – a partir da obra original. Ela reproduziu a pintura trocando a vagina por um pênis – ou a boceta por um caralho. E chamou-a de A origem da guerra. Olhar para essa imagem causa um estranhamento, especialmente porque a posição, deitada de costas, é muito mais íntima da mulher do que do homem. O pênis, no caso, se oferece ereto ao olhar, mas a partir de um corpo na horizontal, entregue.


É instigante, desde que a provocação não seja reduzida a um feminismo indigente, banalizado pela crença pueril do “a mulher gera a vida, o homem a morte”. A intenção de Orlan, segundo Roudinesco, era bem mais refinada. Ela “pretendia desmascarar o que a pintura dissimulava, realizando uma fusão da ‘coisa’ irrepresentável com seu fetiche negado”. Reivindicava então a “imprecisão do gênero e da identidade” que marca o nosso tempo, anunciando, por sua vez: “Sou um homem e uma mulher”.


O que se pode afirmar é que Courbet revelou o que está sempre coberto, oculto, escondido. No Carnaval brasileiro, por exemplo, como lembra a psicanalista Maria Cristina Poli em um artigointeressante sobre o feminino, tudo é exposto – e até superexposto – do corpo da mulher, menos a vagina. Mas a força do quadro não está só no “mostrar”. Há algo de incapturável e único na forma como Courbet mostrou o “imostrável”, já que a transposição da imagem para a fotografia não causa o mesmo efeito. E o que é?


Não sei.


A vagina pintada por Courbet é peluda como não vemos mais nos dias de hoje. A depilação quase total do sexo feminino tornou-se um popular produto de exportação do Brasil. Tanto que virou um dos significados da palavra “Brazilian” no renomado Dicionário Oxford: "Estilo de depilação no qual quase todos os pelos pubianos da mulher são retirados, permanecendo apenas uma pequena faixa central”. Pelo visto, a partir dos trópicos supostamente liberados e sexualizados, a vagina depilada virou um clássico contemporâneo.


Este é um ponto interessante. Ao primeiro olhar, a extração dos pelos serviria para revelar mais a vagina, mas me parece que este é mais um daqueles casos, bem pródigos na nossa época, em que se mostra para ocultar – a superexposição que ofusca e cega. A vagina sem pelos é uma vagina flagelada – e arrancar os pelos com cera é mesmo um flagelo. É também uma vagina infantilizada pela força. E é ainda uma vagina esterilizada, já que vale a pena lembrar que no passado recente essa depilação agressiva só acontecia nos hospitais para, supostamente, facilitar o parto. “Se não depilo totalmente, me sinto suja”, disse-me uma amiga. Suja?


Em janeiro de 2000, a atriz Vera Fischer exibiu sua vagina peluda em um ensaio fotográfico da revista Playboy. Causou furor. Falou-se na “Mata Atlântica”, na “Amazônia”, na “selva” onde sempre é perigoso penetrar. Havia algo de poderoso e incontrolável na vagina em estado “natural” de Vera Fischer, e a polêmica se fez. Era uma mulher não domesticada ali. Uma mulher adulta.


Não me parece – e nunca saberemos se tenho razão – que, se Courbet tivesse pintado uma vagina careca, ela teria causado tanto o horror de Emilia quanto o êxtase em mim. A vagina pintada por Courbet é uma vagina que revela. Mas o quê?


Não sei. A maravilha da arte é que ela nos transtorna sem a menor intenção de nos dar respostas – muito menos caminhos a seguir. A arte é sempre labiríntica. Não há sentimentos “certos” ou “errados” diante da expressão artística, há sentimentos apenas. Movimentos. Que nos levam por aí, aqui. É em respeito a essa ideia que decidi não colocar nenhuma imagem do quadro aqui, nem mesmo um link – ou um atalho – para a imagem na internet. A busca da origem do mundo é pessoal e intransferível. Assim como a decisão de buscá-la.


A obra de Courbet sempre foi oculta por uma outra pintura. Ou cortina. Exceto agora, que a exibição no museu deu a ela uma espécie de salvo-conduto, por ser ali “o lugar certo”. De algum modo, até então, a vagina mais famosa da História da Arte fora coberta por um véu – além do véu representado pela própria pintura.


Decidi não cobrir minha reprodução de A origem do mundo com uma burca. Vamos ver o que acontece.  
(Eliane Brum escreve às segundas-feiras.)
FONTE 

EM TORNO DO VAZIO, VIRGINIA WOOLF





Ana Martha Maia (EBP/AMP)
Entre os grandes nomes do modernismo, Virginia Woolf se
destaca com diversos artigos, romances, ensaios, uma peça, a
fundação de uma editora junto com o marido e a participação
no grupo de intelectuais Bloomsbury, deixando seu nome marcado na história da literatura. Abordou inúmeras vezes a temática
do universo feminino. Enquanto Freud em seus estudos sobre a
sexualidade feminina estava às voltas com a questão do que é a
mulher a partir do relato de mulheres que a ele se queixavam de
seus sintomas, como mulher e escritora, Woolf se indagava sobre
o lugar da mulher na sociedade vitoriana e na literatura escrita
por mulheres. Restrita ao espaço privado, à organização do lar e
ao casamento, no âmbito público frequentava os encontros sociais em igrejas, bailes ou na casa de outra dama, mas no cenário
literário a mulher somente participava como personagem de um
escritor. A maioria não era nem alfabetizada.
No ensaio Um teto todo seu, Woolf (1929) conta que é convidada para falar sobre a mulher e a ficção:


“Tudo o que poderia fazer seria oferecer-lhes uma opinião acerca de um aspecto insignificante: a mulher
precisa ter dinheiro e um teto todo dela se pretende mesmo escrever ficção; e isso, como vocês irão ver,
deixa sem solução o grande problema da verdadeira natureza da mulher e da verdadeira natureza da ficção.
Esquivei-me ao dever de chegar a uma conclusão sobre essas duas questões — a mulher e a ficção, no que
me diz respeito, permanecem como problemas não solucionados”(p. 8).
Nessa mesma época, Freud (1932) aborda o problema da natureza da mulher contando em uma de suas
conferências que após um longo percurso de trabalho sobre o tema, a mulher permanecia para ele como o
enigma sobre o qual considerava sua teoria não concluída. É justamente com este enigma que Woolf começa
sua apresentação, dizendo da impossibilidade de desvendá-lo. Como Freud que recorre aos poetas, apostando na feminilidade como uma invenção, Woolf aproxima a mulher da ficção.
Há um tom feminista em Um teto todo seu. No entanto, na linguagem dos teóricos da literatura, Woolf
vai além da “voz feminina silenciada”, ou de uma “escrita feminina”, propondo uma escrita sem “gênero”.
Precedendo Lacan, como ele mesmo havia dito que o artista precede o psicanalista, a seu modo ela se refere
à posição feminina, não importando se quem escreve é um homem ou uma mulher.
Seis personagens, o conto
Se a “solução” no ensaio de 1929 é um quarto e algumas libras por mês para que uma mulher possa se
dedicar à escrita, no conto Uma sociedade, Woolf (2005) aponta na delicada relação mãe-filha a possibilidade de transmissão do desejo feminino, em sua singularidade. Em 1910, cinco jovens mulheres fundam uma
“sociedade secreta de fazer perguntas”. Todavia, no caminho, elas se perdem nas respostas, encantadas pela
referência fálica.
“Umas olhavam pela rua para as vitrines de uma chapeleira onde a luz ainda brilhava intensamente sobre
plumas escarlates e chinelos dourados. Outras estavam ocupadas em construir pequenas torres de açúcar na
borda da bandeja de chá. Passado um tempo, pelo que eu lembro, juntamo-nos em volta do fogo e começamos a elogiar os homens, como de hábito – tão fortes, tão nobres, tão brilhantes, tão corajosos, tão belos –
como invejávamos as que por bem ou por mal deram um jeito de se ligar para sempre a um deles! – quando
Poll, que não tinha dito nada, explodiu em lágrimas” (p. 176).
Entre a guerra, a vida privada e a angústia de cada personagem, Woolf indica uma solução singular, no que
uma mãe pode transmitir a uma filha: “depois que ela [a filha] aprender a ler, somente numa coisa você pode
ensiná-la a acreditar – nela mesma” (p. 182).
Seis atrizes, a peça
Do conto ao palco, seis atrizes mergulham nas perguntas que as mulheres vitorianas se faziam e se interrogam nos bastidores sobre o desejo feminino em nossa época. No período de ensaios, relatam no debate
como foram tocadas desde a construção de cada personagem até o momento sempre único de cada dia de
apresentação.
Seis psicanalistas, o Encontro
Uma atividade da Comissão nãotoda foi organizada no Rio de Janeiro em torno de Uma tempestade, do
conto homônino de Woolf. No dia 12 de abril, após a apresentação da peça no Solar de Botafogo, seis psicanalistas da EBP/AMP - Ana Martha Maia (coordenação), Fernando Coutinho, Elza Freitas, Maria Silvia Hanna,
Sandra Viola e Stella Jimenez – sentaram no palco com as atrizes e o público participou ativamente de uma
conversação sobre o tema “Mulheres de agora: figuras do feminino no século XXI”, do XIX Encontro Brasileiro
do Campo Freudiano que será realizado em Salvador, nos dias 23 e 24 de novembro.
Bibliografia
Freud, S. (1932) “A feminilidade”. Obras Completas, vol. XXI. RJ: Imago. 1976.
Woolf, V. Contos Completos. São Paulo: Cosac Naify. 2005.
Woolf, V. (1928) Um teto todo seu. RJ: Nova Fronteira.

terça-feira, 10 de julho de 2012

NEGA NA GREVE DOS FEDERAIS Seminário sobre assédio moral

Como todas sabem, as mulheres são sempre as maiores vítimas de assédio moral no trabalho, escola, lugares públicos. Pensando nisto, e considerando o tempo da greve uma excelente oportunidade de debater e discutir a questão do assédio moral e constrangimento no espaço onde trabalhamos e interagimos com colegas, superiores, alunos, funcionários, vamos realizar, nesta quarta feira dia 11 de julho de 2012, um Seminário sobre "Assédio Moral e constrangimento no ambiente de trabalho da UFAC".

O lugar ideal não poderia deixar de ser o sindicato dos professores, trabalhadores em greve, a ADUFAC, Seção Sindical da ANDES Nacional. Convidamos mulheres especialista na temática como a professora doutora Silvane Chaves, com doutorado em Direito, com exímia tese sobre Violência contra a Mulher, como também a brilhante advogada Wania Lilia Maia Viana, que já ocupou o cargo de Delegada na Delegacia da Mulher e tem ampla experiência na temática em questão. Ainda convidamos Almerinda Cunha, diretora do Fórum Permanente de Educação Étnico Racial, pois a negritude ao longo dos tempos têm sido o principal alvo dos assédios, humilhações e constrangimentos terríveis da história oficial do Brasil.

Abaixo nosso convite e esperamos a presença da comunidade em geral, dos alunos, funcionários e professores da UFAC:


Lançamento da REVISTA ESTUDOS DE GÊNERO


Recebemos hoje da colega Luzia Álvares da UFPA, o seguinte comunicado do lançamento da REVISTA GÊNERO NA AMAZÔNIA

Na oportunidade, apresentamos o primeiro número de nossa revista "Gênero na Amazônia" cujo endereço é :
 
 
e o novo número de nosso Jornal IARAS:
 
 
Agradecemos às colegas que aceitaram participar da Comissão Científica da Revista, considerando que essa é uma atividade necessária para a excelência de uma produção acadêmica.
 
Gostariamos que as/os colegas circulassem esses endereços entre seus/as alunos/as e colegas pesquisadores/as para que houvesse interessados em apresentar seus trabalhos no próximo número da revista e do jornal. As normas estão no index da publicação.
 
Atenciosamente,
 
Luzia Álvares e Eunide Santos -
Coordenadoras do GEPEM/UFPA