quarta-feira, 5 de agosto de 2015

A INFLUÊNCIA DO FEMINISMO NA LITERATURA

Eu amo falar de feminismo e literatura, de crítica feministas, de estudos de gênero e achei uma ótima resenha sobre o assunto, casando o feminismo com a temática de literatura de mulheres. Leiam que este texto é um deleite.
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"Literatura delas": a influência do feminismo na literatura.

FONTE: http://literatortura.com/2015/08/literatura-delas-a-influencia-do-feminismo-na-literatura/

AUTORA: LORENA ROBINSON, uma jovem de 17 anos, estudante de Direito. Sonha em brincar de passarinho e conhecer o mundo. Enquanto isso, conheceu a arte, a literatura, o cinema e as Ciências Humanas, e aprendeu a passarinhar por vários mundos diferentes.

Elaine Showalter, Ph.D e crítica literária americana, dedicou grande parte dos seus estudos acadêmicos à análise de produções advindas das “subculturas”, sendo uma das precursoras do criticismo literário feminista. Desenvolvendo o conceito e a prática do que cunhou de “gynocritics”, o estudo da literatura produzida essencialmente por mulheres – suas imagens, papéis, experiências e ideologias, assim como a história e todo o percurso da tradição literária feminina -, Elaine foi responsável por gerar importante (quiçá controverso) material de debate no meio acadêmico e feminista. “Gynocritics” refere-se, segundo ela, a uma “moldura feminina para a análise da literatura feminina, a fim de desenvolver novos modelos baseados no estudo da experiência e da produção das mulheres, em vez de apenas adaptar modelos e teorias masculinas”. A escritora, portanto, se propõe a desenvolver uma análise sobre as obras e tradições das mulheres, da era Vitoriana à atualidade.
Além de aventurar-se nos campos da Sociologia e até mesmo da Psicologia e Psiquiatria, uma das obras mais relevantes de Elaine Showalter é “Literature of Their Own: British Women Novelists from Brontë to Lessing”, em que discorre sobre a longa e negligenciada tradição das escritoras inglesas e o desenvolvimento e evolução de sua ficção, de 1800 aos dias atuais. Nessa obra, expõe o que considera as “três fases da literatura feminina”: “the Feminine”, um período que começa com o uso do pseudônimo masculino para a publicação das obras, em 1840, e finda em 1880 com a morte de George Eliot (Mary Ann Evans); “the Feminist”, de 1880 até a conquista do sufrágio feminino em 1920; e o período “the Female”, de 1920 aos dias atuais, incluindo um novo período de autoconsciência por volta de 1960. Passando por grandes nomes da literatura como as irmãs Brontë, George Eliot, Virginia Woolf, Jane Austen, Margaret Drabble e Doris Lessing, Elaine analisa em cada período como a posição das mulheres na sociedade influenciou determinantemente suas produções.
Dos tempos em que as cartas e diários da hoje aclamada Virginia Woolf eram desprezados e não publicados, em que autoras femininas eram reduzidas ao título de “Mrs.” (consideradas apenas por estarem casadas) ou tinham que usar nomes masculinos para angariar mínimo respeito por suas obras, em tempos que havia recusas para editar e compilar obras femininas, até tempos em que na tradição acadêmica pouquíssimas obras recomendadas são de mulheres e em que mesmo na literatura masculina as personagens femininas ainda são relegadas ao segundo plano, torna-se relevante analisar como o espaço literário feminino foi, também, uma conquista social.
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“The feminine phase”:
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A primeira fase, marcada pela entrada de fato das mulheres na literatura, sob pseudônimos masculinos ou sob a ênfase no status de casadas, é marcada por um conflito entre “obediência e resistência” que chega a se refletir em muitas obras. Representada por escritoras como as irmãs Brontë, Elizabeth Gaskell, Elizabeth Browning e Florence Nightingale, evidencia um momento em que as escritoras tentam se integrar em uma esfera tradicionalmente masculina. Dessa forma, mesmo que a ocupação desses espaços tenha sido por si só um ato subversivo e de resistência, as escritoras ainda assimilavam, aceitavam e/ou perpetuavam valores estéticos e sociais patriarcais. Buscando esse espaço, acabavam seguindo os modelos determinados pela tradição masculina dominante, internalizando e reproduzindo seus padrões e visões sobre papeis sociais. Os principais problemas desse período, segundo Elaine, são que os próprios temas para as escritas femininas eram previamente determinados ou limitados pelo meio literário essencialmente masculino (temas como amor ou como a vida doméstica, reduzindo o papel da mulher à família e à comunidade) e essa mesma determinação servia como razão para criticar as mulheres por escreverem somente sobre esses assuntos, criando estereótipos que ditavam que mulheres só escreviam (e só podiam escrever) “romances leves” – obrigando as escritoras a esconderem seu gênero a fim de terem suas obras ao menos lidas. As escritoras eram vistas primeiro como mulheres, depois como artistas, tendo suas capacidades cerceadas e diminuídas pelos valores sociais vigentes.  A vocação para a escrita exigia praticamente que as mulheres “transcendessem” sua identidade feminina, pois, como atividade e como carreira, uma mulher dedicar-se à literatura soava egoísta, não-feminino e até mesmo não-cristão.  Por conta disso, muitas grandes escritoras permaneceram no anonimato; muitos grandes nomes foram perdidos, muitas obras renegadas para serem aceitas apenas posteriormente – ou postumamente. A produção literária desse período foi inovadora e importantíssima para a escrita feminina, abrindo caminho para novas possibilidades e trazendo grandes nomes até a atualidade.

“The feminist phase”:
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A “fase feminista” da literatura feminina coincide, como o próprio nome sugere, com o despontar do feminismo, principalmente na Inglaterra e nos Estados Unidos. O “feminismo de primeira onda”, como chamado posteriormente, surge por volta de 1880 e tem como foco a conquista dos direitos políticos – sobretudo o sufrágio feminino. Na literatura, a influência do feminismo marca uma fase de protesto, na qual as autoras se rebelaram contra os valores patriarcais prevalecentes, e, abandonando os estereótipos vitorianos, começaram a explorar os papéis das mulheres enquanto classe; sua posição na família, no trabalho, na sociedade em geral. As autoras passaram a desafiar as restrições impostas às mulheres, refletindo suas demandas de mudanças sociais e políticas implícita ou explicitamente em suas obras, questionando o monopólio masculino na literatura. A “fase feminista” contou como uma “declaração de independência” da tradição feminina na literatura, marcada pela exigência de autonomia por parte das escritoras e uma originalidade nas produções que abriu caminho para novos temas, a serem abordados por escritoras futuras. Militantes sufragistas como Sarah Grand, George Egerton e Elizabeth Robins escreveram importantes obras durante essa fase de protesto que, mesmo que para Showalter tenham sido mais mensagens que obras essencialmente artísticas, inauguraram a exploração de uma identidade, teoria e estética literária femininas. O fim do século 19 testemunhou um intenso debate sobre a posição das mulheres na sociedade. Elas, portanto, passaram a questionar não só seus direitos sobre a propriedade, sobre a custódia de seus filhos, sua cidadania e sobre seus próprios corpos, como também  demandaram espaço ao lado dos homens no mundo das letras – a fim de contribuir com sua cultura e fazer com que suas próprias opiniões e histórias fossem ouvidas.

“The female phase”:
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Por fim, a “female phase” de Elaine Showalter é marcada pela busca das autoras por suas próprias vozes e identidades – uma fase de ‘autodescobertas’ a respeito da identidade e da estética literária feminina. As escritoras dessa fase, segundo Elaine “aplicaram as análises culturais das feministas [que as antecederam] em palavras, frases e estruturas da linguagem em suas obras”.  Uma das escritoras desse período é Virginia Woolf, aclamada e considerada responsável por revolucionar o papel feminino na literatura. A partir de 1960, com a “segunda onda” do feminismo, a análise social do papel feminino e as demandas feministas ultrapassaram os direitos políticos e alcançaram diversas áreas das vivências femininas, como o questionamento do conceito de família, igualdade no trabalho e exploração da sexualidade. As escritoras, a partir de então, passam a subverter e explorar tabus, e “raiva e sexualidade passam a ser aceitos… como fontes de poder criativo feminino”.


As análises das fases da literatura feminina nos levam a questionar, portanto, os rumos da literatura atual. Embora se possa perceber o progresso, a literatura ainda não é um espaço igualitário. Na literatura brasileira contemporânea, por exemplo, em uma pesquisa feita com 258 romances, publicados de 1990 a 2004, constatou-se que os autores são, em maioria, brancos (93,9%), homens (72,7%), de classe média e moradores de regiões privilegiadas como Rio de Janeiro (47,3%) e São Paulo (21,2%). Em relação aos personagens presentes nessas obras, a maioria é de homens (62,1%), heterossexuais (81%). Os personagens negros são apenas 7,9% e suas vozes são limitadas: são apenas 5,8% dos protagonistas e 2,7% dos narradores. Essa tendência, longe de ser restrita, se repete a nível mundial.
Em contrapartida ao meio editorial que ainda concede privilégios a determinados grupos, na literatura moderna e contemporânea acompanhamos a ascendência das personagens femininas. No nicho juvenil, principalmente, é notório o aumento da importância que passa a ser dada às histórias das mulheres, mesmo que como personagens secundárias. Acompanhamos figuras cada vez mais fortes e independentes que cativam e conquistam protagonismo, inspirando as gerações atuais e derrubando pré-conceitos que recaem sobre as figuras femininas em determinados gêneros literários (aventura, ficção científica e afins). As personagens quebram tabus e estereótipos, cada vez mais humanizadas e visíveis, enquanto autoras produzem best sellers e deixam suas marcas na história da literatura.
Adentrar espaços antes inacessíveis é, definitivamente, para as minorias sociais, uma conquista. A presença e participação na mídia de uma forma geral é uma ferramenta essencial de transformação; a representatividade é inspiradora e a igualdade, em todos os meios, é absolutamente necessária. Em homenagem às Mrs. e anônimas vitorianas, devemos questionar e pontuar os problemas do meio literário atual. Espera-se que, assim, cada vez mais autoras possam ter e dar voz a personagens, mulheres, protagonistas independentes de suas próprias histórias. Afinal, como disse Virginia Woolf: “Tranque suas bibliotecas, se quiser; mas não há portão, nem fechadura, nem trinco que você consiga colocar na liberdade da minha mente.”

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