domingo, 1 de fevereiro de 2015

"PARA SEMPRE ANA ALICE...."

Quero falar, com bastante calma no coração e muito carinho, da minha querida professora, no curso de doutorado na UFBA, em Salvador, de 2001 a 2005, Ana Alice Alcântara Costa. Ela faleceu no dia 26 de dezembro de 2015 e eu ainda não acreditei.... 

Deixei passar os dias devagar, pela grande comoção que senti ao receber a notícia; deixei arrefecer os clamores e lamentos que ecoaram por todo o Norte e Nordeste do Brasil, pelas academias, universidades, Fóruns, Sindicatos, ONGs feministas, Movimentos de Mulheres, Núcleos de Estudos de Gênero e afins... 
Lembrei daqueles versos do Manoel Bandeira, quando morreu Mario de Andrade:
 "Anunciaram que você morreu.
Meus olhos, meus ouvidos testemunharam:
A alma profunda, não.
Por isso não sinto agora a sua falta.
Sei bem que ela virá
(Pela força persuasiva do tempo).
Virá súbito um dia,
Inadvertida para os demais.
Por exemplo, assim:
À mesa conversarão de uma coisa e outra,
Uma palavra lançada à toa
Baterá na franja dos lutos de sangue.
Alguém perguntará em que estou pensando,
Sorrirei sem dizer que em você
Profundamente....
Mas agora não sinto a sua falta.
(É sempre assim quando o ausente
Partiu sem se despedir:
Você não se despediu.)
Você não morreu: ausentou-se".

É assim que me sinto agora Ana Alice, "vc não morreu, ausentou-se...". Qualquer dia, irei a Salvador, e nessa hora, talvez olhando o mar, ouvindo uma palestra no Encontro de Estudos de Gênero, de repente, vou lembra de vc e pensar em vc, profundamente... Sei que vou chorar só no coração, ninguém nem vai perceber nadinha...


Você foi uma mulher incrível, militante, batalhadora, incansável,  persistente, incisiva, como tinha de ser uma boa pesquisadora e uma grande feminista. Você ganhou o prêmio Bertha Lutz de 2012, você fundou o NEIM em 1983; eu participei dele de 2001 a 2005, enquanto fiz doutorado e gostava tanto dos Encontros Anuais do NEIM, de apresentar trabalhos que me esmerava em fazer e nunca foram publicados, barrados que foram por minha orientadora, segundo vc mesma me contou, num almoço delicioso em hotel à beira do rio Grão Pará, em Belém, em 2009, na última vez que estivemos juntas... Estava também nesse dia o meu marido Mario Jorge, no encontro da REDOR que Luzia Álvares fez na UFPA....
Tem encontro do NEIM em Salvador, neste ano de 2015, com a visita ilustre de Judith Batler, mas eu preferia que fosse com vc, como teu jeito de falar de mulheres na política, de mais mulheres no Poder, como só vc sabia... Foi com vc que aprendi a palavra "empoderamento" e aprendi que todas temos que nos empoderar....

Vários Grupos de Pesquisa em Estudos de Gênero, e também Núcleos de  Estudos sobre a Mulher homenagearam a professora Ana Alice, por ocasião de seu falecimento, como o GEMA de Pernambuco e o GEPEM, da UFPA. Deste último, coordenado pela professora  Drª Luzia Álvares, da UFPA, publico novamente o lindo e emocionante depoimento....

ANA ALICE ALCÂNTARA COSTA – UMA VIDA

É com imenso pesar que o Grupo de Estudos e Pesquisas Eneida de Moraes sobre Mulheres e Gênero - GEPEM/UFPA – informa o falecimento, no último dia 26/12, de ANA ALICE ALCÂNTARA COSTA, pesquisadora e feminista do NEIM/UFBA, cuja vida foi totalmente dedicada a lutar pelos direitos humanos.
Num período em que os estudos sobre as mulheres brasileiras tinham um déficit, não incluindo as/os pesquisadoras/es das universidades do Norte e do Nordeste, Ana Alice organizou, por meio do NEIM/UFBA, o I Encontro de Pesquisadoras/es sobre a Mulher e Relações de Gênero do Norte e Nordeste, em setembro de 1992 (em Salvador), favorecendo a criação da Rede Feminista Norte e Nordeste de Estudos e Pesquisas Sobre Mulher e Gênero (REDOR N/NE), rede que estimulou a formação de grupos de pesquisas nas universidades dessas duas regiões. Com isso, o processo constitutivo de um grupo nascente como o GEPEM ao congregar pesquisadoras da UFPA e de universidades particulares e estaduais do Pará fortaleceu-se, num marco de efeitos, sobre o enfoque da história e da luta das mulheres paraenses por seus direitos, incluindo-se no cenário brasileiro.
Desde 1982, Ana Alice era professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal da Bahia (UFBA) fazendo a articulação entre sua atuação acadêmica com a militância feminista. O enfoque principal dos estudos e pesquisas, na sua trajetória acadêmica e militante era o tema das relações de poder. Seu livro “As donas no poder: mulher e política na Bahia” (1998) é referência até hoje para estudos neste campo e afins.
Ao longo de sua vida a dedicação à causa dos direitos humanos das mulheres fortaleceu sua preocupação em ampliar essa causa criando, em 2005, o primeiro programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Mulheres, Gênero e Feminismo, na UFBA, resultante de grande esforço do NEIM.
O interesse na disseminação dos estudos de gênero também fez parte de toda a sua militância junto aos movimentos sociais e de mulheres, em nivel local e nacional, procurando fortalecer a agenda da reforma política para a inclusão, entre outras mudanças, da paridade no sistema de listas eleitorais, reconhecendo um dos direitos das mulheres.
Em março de 2012 lhe foi concedido o prêmio Bertha Lutz, do Senado Federal, como merecido reconhecimento pelo conjunto de sua obra e de sua luta pelos direitos das mulheres.
Nascida em 23 de dezembro de 1951, em Caravelas (BA), Ana Alice participou, também ativamente da luta contra a ditadura militar, nos anos 1970. Seu mestrado e doutorado em Sociologia Política foram realizados na Universidade Nacional Autônoma do México, ingressando ali no Movimiento de Liberación de las Mujeres e vinculando-se, no Brasil, ao Grupo Feminista Brasil Mulher, seção Bahia, primeiro grupo dedicado à questão da mulher e de gênero naquele Estado.
A vida de Ana Alice Alcântara Costa vai seguir o seu curso pelos caminhos onde ela plantou e dedicadamente fez germinar as sementes de conscientização pelos direitos das mulheres, na luta feminista por um mundo melhor.
Ana Alice Alcântara Costa! PRESENTE !

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