Dois episódios são ilustrativos das resistências usadas pelas mulheres.
O primeiro deles aconteceu em 1885 quando a gaúcha Isabel de Sousa Matos, uma
cirurgiã dentista requereu o alistamento eleitoral. Seu pedido estava amparado
pela Lei Saraiva que garantia o direito de voto aos portadores de títulos
científicos. Isabel conseguiu ganhar a demanda judicial em segunda instância.
Autora: Schuma Schumaher*
A conquista do voto feminino resultou de um processo iniciado antes mesmo da
proclamação da República. Embora a Constituição de 1891 vetasse o direito de
voto aos analfabetos, mendigos, soldados e religiosos, sem mencionar as
mulheres, elas ainda tiveram que lutar por mais de 40 anos para conquistar esse
direito.
Dois episódios são ilustrativos das resistências usadas pelas mulheres. O
primeiro deles aconteceu em 1885 quando a gaúcha Isabel de Sousa Matos, uma
cirurgiã dentista, requereu o alistamento eleitoral. Seu pedido estava amparado
pela Lei Saraiva que garantia o direito de voto aos portadores de títulos científicos.
Isabel conseguiu ganhar a demanda judicial em segunda instância. Com o advento
da República e a convocação de eleições para a Assembléia Constituinte, Isabel,
que na época estava morando no Rio de Janeiro, procurou a Comissão de
Alistamento Eleitoral para fazer valer a sua conquista. Diante do fato
inusitado de uma mulher pleitear o direito de se alistar, a comissão solicitou
um parecer ao Ministro do Interior que fez uma negativa contundente: julgou
absolutamente improcedente a reivindicação.
A luta prosseguiu. E foi também de outra Isabel a segunda tentativa. No caso,
da baiana Isabel Dillon, primeira a apresentar-se como candidata a deputada na
Constituinte de 1891. Ela argumentou que a Lei Eleitoral de 1890 não excluía as
mulheres, uma vez que a mesma assegurava o direito de voto aos maiores de 21
anos que soubessem ler e escrever, sem referência explícita ao sexo do eleitor.
Ela tonou publica sua candidatura e teve como plataforma eleitoral defender a
opção religiosa, a ampla liberdade de pensamento e a aprovação de leis que
protegessem a criança, a mulher e o operariado nascente. Não conseguiu sequer
se alistar para votar.
Após muitas tentativas isoladas, surgem os primeiros grupos organizados de
mulheres como o Partido Republicano Feminino, fundado em 1910 por Leolinda
Daltro e outras feministas cariocas. Essa estratégia provocou debates, através
de manifestações públicas que criticavam a “cidadania incompleta” das mulheres,
gerando polêmicas e reações negativas por parte da imprensa. Contudo, foi a
Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, criada em 1922, e espalhada por
diversos Estados brasileiros, a grande responsável pela campanha nacional em
favor do voto feminino.
Bertha Lutz, Almerinda Gama, Carmen Portinho, Maria Luisa Bittencourt, Josefina
Álvares de Azevedo, Jerônima Mesquita, Chiquinha Gonzaga, Natércia da Silveira
e tantas outras feministas sufragistas constataram na prática, com indignação,
que o engajamento nas lutas políticas e suas conquistas no campo da educação
eram insuficientes para que os poderes constituídos reconhecessem seus direitos
enquanto cidadãs. Lideradas por Bertha Lutz iniciaram um campanha aguerrida em
várias frentes e cidades, usando a imprensa, as galerias da Câmara Federal,
seminários, debates, manifestações artísticas e até panfletagem aérea, para
sensibilizar os congressistas e ganhar a simpatia da população para a causa que
defendiam. E conseguiram!
Demonstrando grande habilidade política e capacidade de articular alianças,
foram aos poucos, conseguindo adesões em vários estados e espaços. É assim que,
em 1927, a Lei Eleitoral do Rio Grande do Norte concede o direito de voto às
mulheres norte-rio-grandenses, possibilitando que Celina Guimarães Viana e
Julia Alves Barbosa se tornassem as primeiras eleitoras do Brasil e Alzira
Soriano a primeira prefeita da América Latina, nas eleições de 1928. Um enorme
passo!
Alguns anos depois, em 1931, a FBPF promoveu no Rio de Janeiro o II Congresso
Internacional Feminista para discutir os rumos do movimento. O discurso de
abertura coube a prestigiada escritora Júlia Lopes de Almeida. As conclusões do
Congresso foram encaminhadas ao Presidente Vargas que se comprometeu a
empenhar-se pela concessão do voto feminino.
Apesar de Bertha Lutz fazer parte da Comissão encarregada de elaborar o novo
Código Eleitoral Brasileiro (1932) teve que enfrentar muitas polêmicas entre os
integrantes do grupo, pois os mesmos tinham posições divididas sobre o direito
de voto às mulheres. Finalmente, depois de muita pressão, em fevereiro de 1932,
o presidente Getúlio Vargas, assina o Decreto nº 21.076, concedendo as mulheres
o direito de votar e serem votadas. Finalmente Vitória!
Com a criação do Código Eleitoral de 1932 a atenção das filiadas da FEBP
voltou-se para enfrentar outro desafio: promover a candidatura das feministas
para a Assembléia Nacional Constituinte de 1933. Entre os 254 votantes,
contabilizando os eleitos e os representantes classistas, duas vozes eram
femininas: Carlota Pereira de Queiroz, médica eleita por São Paulo e a primeira
deputada federal do Brasil; e a advogada alagoana Almerinda Farias Gama, uma
das primeiras mulheres negras na política brasileira, na época representando o
Sindicato das Datilógrafas e Taquigrafas do Distrito Federal, por intermédio de
uma estratégia bem sucedida da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino
(FBPF).
Nas eleições gerais de 1934, a FBPF retornou ao cenário político patrocinando
uma acirrada campanha nacional para a eleição de mulheres. As propostas das
feministas foram resumidas num documento composto por treze princípios, com
questões referentes à maternidade, melhores salários e licença-remunerada, até
a discussão do acesso aos cargos públicos.
Pelo Brasil, nove mulheres foram eleitas deputadas estaduais: Quintina Ribeiro
(Sergipe); Lili Lages (Alagoas); Maria do Céu Fernandes (Rio Grande do Norte);
Maria Luisa Bittencourt (Bahia); Maria Teresa Nogueira e Maria Teresa Camargo
(São Paulo); Rosa Castro e Zuleide Bogéa (Maranhão) e Antonieta de Barros por
Santa Catarina, destacando-se, ainda, como a primeira deputada negra do Brasil.
Infelizmente, este período de exercício da democracia representativa durou
pouco. Com o Golpe de Estado, em 1937, Getúlio passou a comandar o país usando
a batuta de um regime autoritário. Os parlamentos foram fechados e as ações dos
movimentos sociais, inclusive os das mulheres, foram suprimidas.
Nos anos de redemocratização pós 1945, um novo cenário político brasileiro vai
se configurando e, diante da conquista do voto para as mulheres, a FBPF vai
perdendo seu potencial mobilizador. Nesse período novas organizações de
mulheres vão surgir, e na maioria dos casos ligadas aos partidos
políticos. Com o golpe de 1964, mais uma vez os movimentos sociais são alvos
de perseguição e repressão.
Com a decretação, pela ONU, em 1975, do Ano Internacional da Mulher e a
retomada do regime democrático, o feminismo ressurge forte e organizado.
Contudo, apesar da diversidade e do aumento da participação política das
mulheres na sociedade civil, inseridas nos mais diversos campos dos movimentos
sociais – direitos das mulheres, combate ao racismo, etnocentrismo, defesa dos
direitos reprodutivos, direitos sexuais e dos direitos humanos, ecológico,
popular, comunitário e sindical – a sub-representação feminina nas estruturas
formais da política permanece, ainda, um dos principais
desafios a ser enfrentados pelos países democráticos.
Em âmbito mundial as mulheres representam somente 12% dos assentos
parlamentares e ocupam 11% dos cargos de presidência dos partidos políticos. De
acordo com cálculos das Nações Unidas, mantido o ritmo atual de crescimento da
participação feminina em cargos de representação, o mundo levará 400 anos para
chegar a um patamar de equilíbrio de gênero. O Brasil integra o grupo de 60
países com o pior desempenho no que se relaciona à presença de mulheres no
parlamento – pouco mais de 10% nos espaços Legislativos. Pois é!
A partir de 1995, com a aprovação da política de cotas, que instituiu as normas
para a realização das eleições municipais do ano seguinte, determinou-se uma
cota mínima de 20% para as candidaturas de mulheres. Dois anos depois, a Lei
nº. 9504/97 estende a medida para os demais cargos eleitos por voto
proporcional - Câmara dos Deputados, Assembleias Legislativas Estaduais e
Câmara Distrital - e altera o texto do artigo, assegurando não mais uma cota
mínima para as mulheres, mas uma cota mínima de 30% e uma cota máxima de 70%,
para qualquer um dos sexos.
Embora a adoção da política de cotas tenha estimulado o movimento de mulheres a
organizar atividades destinadas a melhor preparação das candidatas - motivando
lideranças feministas a se candidatarem e discutindo plataformas que priorizem
as particularidades das mulheres - infelizmente, ainda são insuficientes as
mudanças substantivas no cenário político brasileiro.
Por tudo isso, não podemos esquecer das brasileiras do passado, consideradas
transgressoras dos costumes sociais e canônicos, que com suas atitudes ousadas
e de vanguarda, deram início a uma série ininterrupta de conquistas femininas,
resultando há 166 anos atrás no acesso à educação formal, há 80 anos no direito
ao voto, há 26 anos na igualdade plena na Constituição Brasileira e há um ano,
nas eleições de 2010, concretizaram a presença de uma mulher na Presidência da
República.
Nos últimos 80 anos, o mundo assistiu a grande mudança na condição das
mulheres. De coadjuvantes da história, passaram a protagonizar seus destinos e
desejos. Mesmo assim, ainda vivemos numa sociedade dividida em classes sociais,
estruturada nas desigualdades de gênero e raça, e assentada em uma cultura
política carregada de discriminações e preconceitos. Neste contexto,
compreendemos que a justa representação das mulheres na política ainda depende
de muita luta e de um sistema político que assegure a participação democrática
de todas e todos.
Schuma Schumaher é feminista, educadora social, co-autora do Dicionário
Mulheres
do Brasil e Mulheres Negras do Brasil e Coordenadora executiva da Rede
de Desenvolvimento Humano (Redeh).
Rio de janeiro, 24 de fevereiro de 2012.